sexta-feira, 19 de julho de 2019

A poesia é bicho arisco e carrapicho!

Tudo está quieto,
mas ouço uma folha
esfregar-se em outras:
chocalho de árvores,
maracás frondosos
e esverdeados!

Tudo está dormindo,
mas eu sequer cochilo,
o pensamento corre
de um lado para o outro,
oras no passado,
oras no futuro,
a me embolotar o presente
com as linhas do tempo
que me cruzam, agora,
na avenida da vida
que se aponta na
quietude das horas.

Amanhã é segunda-feira
e estarei em segundo lugar
na vida que sinto agora
prenha de mim.

De vez em quando,
quando me dou a vez
de esmiuçar a partida da qual
me vou para correr no trecho
das ruas de Macapá, porque
preciso ser  alguém na vida,
me tenho e me esquivo,
sou para mim uns trocados:
tostões de gente!

Há de haver algum recinto em que
a minha existência seja inteira?
Não faço ideia, só produzo!

Sei que ralo um palavra na outra
para ver se me enxergo.

De quando em vez
é a minha vez de me pegar,
ainda que a poesia seja um bicho arisco,
esquivo, sáfaro!

Mas é também um belisco,
fuxico da vida querendo aparecer,
cochicho dos dias sobre o fulano...

A poesia é carrapicho, seco do sol,
espinhoso de espanto,
que de vez em quando
se agarra na gente, espeta o corpo
e tu se sente!

Daniel Lima




segunda-feira, 1 de julho de 2019

Crônica do coração

Ocorreu-me, nesta calma manhã, a percepção de que, por muito tempo, a vida enveredou-se em seu curso e eu fiquei à beira de sua margem, a olhá-la passar. Mas hoje, depois de tanto tempo em que se sucedeu sem mim, pousaram às janelas de casa pássaros tão aprazíveis que cantaram inebriantes canções. Em resposta , outra canção, que há muito me vinha esquecida, vibrava-me por dentro a suscitar-me resmungos  que, em seguida, saíam-me em áspera e rouca melodia, de modo a espantar-me, pois há muito estive em silêncio em meio a lembranças que só me serviram de açoite ao coração e às miúdas porções de esperança que lhe faziam bater. Assim, em retruque à canção dos pássaros, meu coração dedilhou suas veias e arranjou nos acordes arteriais o toque de um novo sentimento, embora fosse choroso o canto que lhe saía da pele incrustada em calos em detrimento das agruras pelas quais passei. De tudo, o mais extraordinário foi ouvi-lo cantar outra vez, posto que, por tão calado, quase esquece de pulsar.

Daniel Lima


Coerência...

De início, veio-me somente 
a turva feição da frase
que naquele momento 
de obscuridade 
me serviria de amparo
frente ao estado intrincado
no qual eu estava imerso.

Embora eu a visse estranhamente
dispersa em um lugar 
nimiamente longínquo,
já conseguia um sossego,
ainda que paliativo;

pois, apesar de eu não consegui
vê-la nitidamente,
podia sentir a sua aproximação
ocorrer de modo paulatino.

Era o prenúncio
de que em algum momento
a frase que me situaria 
no tempo e no espaço poderia
surgir conspícua e reluzente
a qualquer instante,
a suscitar minha coerência outra vez.

Daniel Lima

  O MENINO RHAVI Era mais uma noite que eu tinha de enfrentar espasmos horripilantes e insônias eternas. Porém, naquela ocasião os meus sent...