segunda-feira, 1 de julho de 2019

Crônica do coração

Ocorreu-me, nesta calma manhã, a percepção de que, por muito tempo, a vida enveredou-se em seu curso e eu fiquei à beira de sua margem, a olhá-la passar. Mas hoje, depois de tanto tempo em que se sucedeu sem mim, pousaram às janelas de casa pássaros tão aprazíveis que cantaram inebriantes canções. Em resposta , outra canção, que há muito me vinha esquecida, vibrava-me por dentro a suscitar-me resmungos  que, em seguida, saíam-me em áspera e rouca melodia, de modo a espantar-me, pois há muito estive em silêncio em meio a lembranças que só me serviram de açoite ao coração e às miúdas porções de esperança que lhe faziam bater. Assim, em retruque à canção dos pássaros, meu coração dedilhou suas veias e arranjou nos acordes arteriais o toque de um novo sentimento, embora fosse choroso o canto que lhe saía da pele incrustada em calos em detrimento das agruras pelas quais passei. De tudo, o mais extraordinário foi ouvi-lo cantar outra vez, posto que, por tão calado, quase esquece de pulsar.

Daniel Lima


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