segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Estrelas (de)cadentes

O verbo espoca-se feito camapu na boca da noite, a língua brada e o palavrão risca o céu de estrelas
(de) cadentes.

Horas mal ditas pelos poetas
da contemplação, assassínios da verdade, rompidas vide a insurreição das pregas da palavra
ao cuspir o pigarro que eles engolem para não perturbar a nostálgica aparência das coisas;

Vide o derramamento dos sentimentos
Há muito acumulados nos bueiros da existência e tapados pela tampa da rolha moral, fétida com o bafo do lobo do homem.

São dias de chuvas: o canal do beirol é mais alguém a desabafar suas secreções. Enquanto isso alguém comete a blasfêmia de tecer poemas sobre o pôr do sol, não vês que é um engodo a te encarcerar nos olhos?

Há que se falar que a boca do dia fede
E há remelas nos olhos das flores!

Sem nenhuma papa na língua,
o papo é furado e vês-se que a poesia está  papuda: s(a)cuda, s(a)cuda, s(a)cuda, s(a)cuda...

Daniel Lima.
09.12.2019.
O barco e a maresia

O vento soprava revoltante
O extenso rio que ali havia
Formando a temida maresia
Que assustava o navegante.

Mas o barco a encarava
E com destemida bravura
Se mantinha e navegava
Sobre a perigosa aventura.

Entretanto, a forte maresia
Com mais força o agredia,
Que o barco não suportou
A água brava e naufragou
Na largura de instantes gêmeos.

Daniel Lima
26.01.2016.
Flor de rua

Sob a brisa fina da manhã, eu por ti passei
E vi o que a visão humana é incapaz de ver,
Vi com o olhar do coração tua forma de ser.
Que se mostrava para mim quanto te avistei.

Enquanto te olhava, os pássaros enfeitavam o céu
E tu enfeitavas a terra, esplêndida flor de rua!
Quando te vi, encantei-me com a singeleza tua
Que tocava inexplicavelmente o coração meu.

Olhava-te absorto, fitava-te com admiração
E sentia a irradiante beleza de tuas pétalas
Que me invadia por completo a tua exalação.

Magnífica flor, eu simplesmente te sentia
Quando o vento realçava tuas singelas pétalas,
Emanando no ar tua doce poesia.

Daniel Lima
07.07.2015.

Soneto de paixão

Meu coração tem o rastro que deixaste
Quando outrora, por mim, passaste.
Vieste bonita, mas impetuosa e fugaz
Como a ação do vento sobre as rochas.

Tu duras enquanto somos bonitos.
Pois, tu outrora foste intensa,
Desmedindo sensações por imensa,
Defez-se na carne velha do sujeito.

Tu que é tão passageira nas histórias
E duradoura apenas nas memórias
Que somente como algo breve a vejo.

Por tudo eu não mais te almejo!,
Para a convivência pretendo ao amor
Que desabrocha no tempo, como a flor.

Daniel Lima
10.09.2015

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Se me olhares

Se me olhares,
peço que me escolhas
pela moita que faz
as folhas dos meus
cabelos.

Pois, em cada curva,
há grelos enrolados
em meus galhos apaixonados. 

Não te vá trepar nas árvores
de cabelos lisos. 
Estão escorregadias
nos dias de hoje.
Se fores, serás apenas 
chuvas para elas.

Eu, sim, com a minha moita,
posso te aparar na fibra
de meus cachos;
caso tu me caia de repente,
te darei agasalho permanente.

Assim, te abraçarei
em minha negritude que floresce
nas folhas do meus cabelos
libertos.

Faço-te saber, amado:
minha moita te acoita
por inteiro, decerto;
tem grelos de paixão em cada
curva de mim, para ti.

Daniel Lima
Coração de terra

Há tempos que não consigo plantar
uma flor que seja em meu coração,
nada é mais como aquela vastidão
sublime que um dia existiu neste lugar.

Reviro a terra a fim de plantar a flor
que, se germinar, a chamarei de amor,
mas os dias passam e nada acontece
e a esperança aos desaparece.

"Não entendo", esta terra já foi fértil!?
Era habitada por grandiosas árvores
e rodeada por esplendorosas flores.

Mas, agora, é um lugar totalmente hostil:
um atoleiro nefasto capaz de sufocar
qualquer flor que aqui se tente plantar.

Daniel Lima
Terapia Poética

Catalogando versos de ressentimento
o poeta jorra o sentimento na folha
a tirar do coração a rolha 
que por sóis e luas tamparam-no o alento.

Não há tinta de caneta que suporte
tantos registros de amargura e tormento,
de um coração num sofrimento
mais arrebatador que a própria morte!

Não dorme à noite ao abrir os olhos da alma
e, em minúcias e sarcasmos, revela o trauma,
pois, quando o coração está cheio, transborda

Lágrimas da desilusão que recorda.
Em murmúrios de desabafo acalma a alma,
e poeta, vezes triste, vezes alegre, vivalma!

Daniel Lima

sexta-feira, 19 de julho de 2019

A poesia é bicho arisco e carrapicho!

Tudo está quieto,
mas ouço uma folha
esfregar-se em outras:
chocalho de árvores,
maracás frondosos
e esverdeados!

Tudo está dormindo,
mas eu sequer cochilo,
o pensamento corre
de um lado para o outro,
oras no passado,
oras no futuro,
a me embolotar o presente
com as linhas do tempo
que me cruzam, agora,
na avenida da vida
que se aponta na
quietude das horas.

Amanhã é segunda-feira
e estarei em segundo lugar
na vida que sinto agora
prenha de mim.

De vez em quando,
quando me dou a vez
de esmiuçar a partida da qual
me vou para correr no trecho
das ruas de Macapá, porque
preciso ser  alguém na vida,
me tenho e me esquivo,
sou para mim uns trocados:
tostões de gente!

Há de haver algum recinto em que
a minha existência seja inteira?
Não faço ideia, só produzo!

Sei que ralo um palavra na outra
para ver se me enxergo.

De quando em vez
é a minha vez de me pegar,
ainda que a poesia seja um bicho arisco,
esquivo, sáfaro!

Mas é também um belisco,
fuxico da vida querendo aparecer,
cochicho dos dias sobre o fulano...

A poesia é carrapicho, seco do sol,
espinhoso de espanto,
que de vez em quando
se agarra na gente, espeta o corpo
e tu se sente!

Daniel Lima




segunda-feira, 1 de julho de 2019

Crônica do coração

Ocorreu-me, nesta calma manhã, a percepção de que, por muito tempo, a vida enveredou-se em seu curso e eu fiquei à beira de sua margem, a olhá-la passar. Mas hoje, depois de tanto tempo em que se sucedeu sem mim, pousaram às janelas de casa pássaros tão aprazíveis que cantaram inebriantes canções. Em resposta , outra canção, que há muito me vinha esquecida, vibrava-me por dentro a suscitar-me resmungos  que, em seguida, saíam-me em áspera e rouca melodia, de modo a espantar-me, pois há muito estive em silêncio em meio a lembranças que só me serviram de açoite ao coração e às miúdas porções de esperança que lhe faziam bater. Assim, em retruque à canção dos pássaros, meu coração dedilhou suas veias e arranjou nos acordes arteriais o toque de um novo sentimento, embora fosse choroso o canto que lhe saía da pele incrustada em calos em detrimento das agruras pelas quais passei. De tudo, o mais extraordinário foi ouvi-lo cantar outra vez, posto que, por tão calado, quase esquece de pulsar.

Daniel Lima


Coerência...

De início, veio-me somente 
a turva feição da frase
que naquele momento 
de obscuridade 
me serviria de amparo
frente ao estado intrincado
no qual eu estava imerso.

Embora eu a visse estranhamente
dispersa em um lugar 
nimiamente longínquo,
já conseguia um sossego,
ainda que paliativo;

pois, apesar de eu não consegui
vê-la nitidamente,
podia sentir a sua aproximação
ocorrer de modo paulatino.

Era o prenúncio
de que em algum momento
a frase que me situaria 
no tempo e no espaço poderia
surgir conspícua e reluzente
a qualquer instante,
a suscitar minha coerência outra vez.

Daniel Lima

sexta-feira, 17 de maio de 2019



Qual rua te diz?

Em mim, topo muito com a Claudomiro,
Sobretudo nestes tempos em que minha esperança brasileira
Encontra-se esburacada em meio à tanta sujeira
Nas poças de lama pelas ruas de Macapá,
A me quedarem sempre ao levantar o olhar ao horizonte do meu Amapá brasiliense.
Diante desta paisagem, me azucrino e peço a vocês que me deem as mãos,
Para que eu não deixe meu olhar se pôr no horizonte
Das palavras sem água, dos caminhos acostumados, das cores silenciadas.

Quando vejo a reação da Planaltina diante da tragédia sudestina,
Me ocorre que a barbárie, a qual murchava o olhar de Rosa Luxemburgo
À humanidade, virou moda!

Há na Claudomiro uma esquina perigosa da história para gente como eu,
Que engana o cotidiano para permanecer e enrola, muitas vezes,
Os fios da purpurina dentro de si.
Tô falando da Travesti e do cidadão de bem, que ficam a tecer ladainhas santificadas
Por todo o ventre em plena erupção do deserto da noite.

As ruas são o palco dessa gente cuja voz é engasgada pelo açoite do cotidiano
E pelo assassinato em razão do desamparo civil.
Mas que os brutamontes desta carnificina adoram adentrar profundamente
O criminoso nato numa sacanagem a gemer pelos séculos.
Por isso eu declaro guerra a toda opressão e à moralização que dite como devo usar
As ruas que me passam: entradas, saídas, becos e encruzilhadas.
Meu corpo não é asfaltado por esta moralização hipócrita e fedida
Com o sangue da minha viadagem!

Deixo-me trafegar pelos transeuntes que eu quiser…
Deixo-me trafegar pelos transeuntes que eu quiser…

Qual rua te diz?
Eu estou tomado pelo meio-fio da Claudomiro,
Lá onde a polícia faz o baculejo durante a batalha de Rap,
Que preenche a ausência de intervenção social com a agudeza das rimas livres,
Não metrificadas,
Dizendo que minha nação às avessas cospe mundo a fora a realidade
Vivida pelo meu povo, cuja crença de dias fartos em nossa mesa só emagrece.
Tudo isso frente a uma governança que destroça, torce e retorce, como roupa,
A alma e espreme, suga o trabalho, mas, arregaço o verbo e lhes digo:
Não me fazem um bagaço, porque minha pele é re.sis.ten.te!
Os calos engrossados nela me deixaram cascudo de esperança!
Por isso sou carrancudo que nem o Congós, o Muca, o Perpétuo-socorro,
As Pedrinhas e o escambau. Sabe por quê?
Porque a gente entende, desde pequeno, que a voz da periferia
Tem que ser furadeira dos muros de todos os dias!

Seguirei andando.
Descendo e subindo as ladeiras da minha amada cidade,
Da Macapá que sou: esburacado, cheio de ladeiras, meandros e depressões.

Autor: Daniel Lima

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Em poucas linhas

Na sociedade onde (sobre)vivo
sou mais um meio ao consumo,
pois me tiram todo o sumo
como se os dias me fossem crivo
pelos quais rotineiramente passo
neste ir e vir já antes desenhado.
De tanto que me espremem
sou, ao final do dia, muito escasso
em me querer, de tão explorado!
É assim que eles me resumem. 
Eu poderia alargar o meu valor
e ser mais que um mero trabalhador
porém, neste lugar, eu apenas valho
a minha força de trabalho.

Daniel Lima
A diarista

Todo dia, a labuta diária
na luta pela sobrevivência
lhe sequela tão logo a vida
que, como pele em piçarra,
se esfarela, ferida,
torna-se apoucada, feia,
de tanto demorar-se na panela
e no chão da casa alheia;
tanto é que só à tardinha,
quando à sua casa regressa
é que, enfim, a sua vida começa.

Daniel Lima

Andarilho solitário (crônica)

À primeira vista, a rua estava completamente deserta, de modo que se escutava somente o sopro esfuziante do vento varrendo a poeira, balançando os arvoredos e misturando-se à fragrância das flores. O céu, ao contrário da rua, estava no seu ápice, pois a lua encontrava-se plena e as inúmeras estrelas brilhavam solenemente.

O transcorrer daquela noite me era convidativo. Espantava de mim o sono que, por vezes, me faz perder um tempo precioso desta vida fugaz, proporcionando-me, com isso, significativo deleite frente aos primores da natureza enquanto a cidade dormia. Naquele instante, portanto, não havia para mim sensação igual.

De súbito, meus olhos se exprimiram estupefatos, o coração pulsava em ritmo acelerado. Para mim, a noite não era mais a mesma diante do que vi. Meus olhares consternados acompanhavam a lentidão dos passos de um homem que passava a esmo pela rua, cuja aparência me permitia ter várias interpretações em deduzir as causas que o levaram àquela situação deplorável.

Saí da janela de onde eu estava observando, às pressas. Dirigi-me à cozinha e peguei um pedaço de pão com o intuito de me aproximar do morador de rua e oferecer-lhe o alimento, a fim de saciar a fome que lhe corroía o estômago. Naquele instante, vinha-me um demasiado espanto em concluir que os andarilhos solitários esbarram por nós cotidianamente e no entanto não os percebemos como pessoas de valor. Onde então, eles aparecem com gente?Acaso vivem soterrados por debaixo do tapete onde pisamos ?

Abri a porta ligeiramente, caminhei até a rua em passos apressados, nem calcei os chinelos para não perdê-lo de vista. Ao pisar no chão, senti de imediato a umidade causada pelo relento à superfície terrestre, pois os meus pés logo se molharam com as gotas de orvalho sobre a relva. Comecei a segui-lo com os devidos cuidados para que ele não pudesse me ver. Afinal, eu estava receoso.

De longe o vi sentar-se na calçada de um comércio e fui ao seu encalço. Por minutos, porém, fiquei a espreitar-lhe o comportamento, quando decide de vez ir ao seu encontro. Então, lhe ofereci o pedaço de pão, ele o pegou de minha mão sem olhar-me o rosto, um tanto desconfiado, reação esta que já esperava de uma pessoa que vive exposta às mazelas das ruas. Aproveitei o momento oportuno para inquirir algumas perguntas, mas ele silenciava. Aliás, estava com a boca cheia, de modo que devorava o alimento como quem não se alimentava há dias. Diante daquela cena meus olhos embaçaram e as lágrimas rolaram até se estatelarem sobre o chão. Enxuguei o rosto e o fitei novamente, ele olhava sem ter um ponto fixo que pudesse lhe orientar a visão. Seus olhos eram tão úmidos quanto o relento sob o qual fazia morada. O semblante lívido, de pouca saúde, emanava uma tristeza profunda, como quem já morrera por dentro. Dispunha-me, naquele momento, a deduzir que a vida não lhe surtia mais nenhum sentido e a única motivação que lhe empurrava as pernas debilitadas, em detrimento das penalidades da vida, era procurar tão somente um singelo cantinho para se meter com a sua miséria.

Autor: Daniel Lima

  O MENINO RHAVI Era mais uma noite que eu tinha de enfrentar espasmos horripilantes e insônias eternas. Porém, naquela ocasião os meus sent...